Friedrich Ratzel e o determinismo

Friedrich Ratzel (1844-1904) é um dos autores que encerra um conjunto  designado de “precursores da geopolítica”. Embora seja um contemporâneo do nascimento da Geopolítica, Ratzel não nem um dos seus fundadores porque não a antecipa nem a sua sistematização.

Síntese Biográfica

depositphotos_8970547-stock-photo-friedrich-ratzelFriedrich Ratzel (1844-1904) não foi apenas o produto das correntes filosóficas, geográficas e históricas dos seus antecessores. Não foi apenas uma mera conjugação de parcelas. “Ele foi o primeiro pensador que tentou exaustivamente demonstrar que ‘espaço é poder'” (Almeida, 1990: 104), dando origem a um movimento intelectual que utilizou a geografia como ciência fulcral para o entendimento do Estado como entidade política. De facto, a Geografia Política nasce assim. O esforço de Ratzel incidiu na tentativa de definição de uma teoria geral capaz de explicar a cultura, principalmente cultura política, em função do meio físico.

Ratzel é pois “um nome incontornável e um suporte da futura “escola geopolítica alemã, com seguidores fiéis, mas também gerador de contestações acérrimas” (Correia, 2002: 129). Com efeito, Ratzel está envolvido nos debates sobre o lugar da Alemanha no mundo. É membro fundador Kolonialverein (Comité Colonial) e defende a ideia de um império colonial alemão. Trabalha sobre a África e estabelece um mapa deste continente, ainda mal conhecido no século XIX e vigorosamente disputado pelas potências europeias, ávidas de territórios e de mercados.

No entanto, Friedrich Ratzel não é originariamente um geógrafo. Com efeito, começa por ser um modesto emprego de farmácia preocupado com as espécies da flora medicinal. A sua curiosidade foi, assim, induzida para a Botânica, depois para a Zoologia e daqui para ecologia, por influência de Ernst Haeckel, inventor da referida palavra cuja ciência examina a interacção entre o homem e o meio. Ratzel acabaria por adquirir formação universitária nos referidos domínios. De resto, naquela época, era difícil ultrapassar Von Humboldt e Hegel sem ter uma boa base científica em ciências naturais e filosofia.

Ratzel está desde a sua juventude impregnado por uma curiosidade e por uma visão orgânica, evolucionista, do homem e das suas criações, nomeadamente do Estado.

Em 1870, Ratzel, nacionalista, alista-se nas tropas alemãs que combatem a França de Napoleão III. Depois viaja para Itália (1872) e os Estados Unidos (1873). “As difirentes recondições de clima, o contacto contacto com a flora exótica, o contraste entre os grupos humanos, tudo o impulsionou para a Geografia” (Almeida, 1990: 104)

Em 1876, Ratzel ocupa a cadeira de Geografia na Universidade Técnica de Munique. A sua tese institula-se Die Chinesische Auswanderung. Neste trabalho desenha-se a atenção à geografia, aos movimentos da população sobre o planeta, às diferentes formas de invasão (Anthropo-Geographie, em 1882). Em 1886 é nomeado para a cadeira de Geografia da Universidade de Leipzig.

Ao mesmo tempo, Ratzel constrói uma obra teórica de notável erdudição “iniciada pela geografia humana, com a sua Antropogeografia, seguindo-se Studien Über Politische Räume (Estudo sobre os espaços políticos), em 1895;  Ser Staat Und Sein Boden (Estado e Solo), em 1896; e sobretudo Politische Geographie (Geografia Política – uma geografia dos estados, do comércio e da guerra), em 1897. Em 1898, Ratzel publica Deustchland, Einfurhung in die Heimatkunde (Alemanha – Introdução a uma ciência do país natal). Este livro, que teve um eco douradoura na opinião alemã até à II Guerra Mundial, ilustra o aspecto extremo e sem dúvida o equívoco da ambição de Ratzel: apreender de maneira ‘científica’ o seu próprio país e identificar as “leis objectivas” do seu desenvolvimento geográfico. Onde acaba a ciência? Onde começa a paixão?

Os anos de 1901-02 ficam marcados na vida Ratzel pela sua síntese filosófica com a obra Die Erde und das LebenEine Vergleichende Erdkunde (A Terra e a Vida – uma Geografia comparada). “(…) O geógrafo, cujo último período não deixa de acusar um certo misticismo, associará de novo biogeografia e geografia humana” (Michael Korinman). Segundo esta visão, todas estas actividades humanas estão tomadas por dinâmicas vitais, biológicas, orgânicas, políticas, sendo as construções culturais, económicas e políticas regidas pelos mesmos princípios de crescimento, de declínio e de decomposição que as plantas.

A sua obra é também reflexo da grande influência recebida de filósofos e geógrafos. Tal como outros pensadores e homens de ciência em geral, que viveram em finais do século XIX, “o geógrafo alemão ‘sofreu’ a influência da convicção de que era possível encontrar, para os comportamentos humanos, leis que explicassem e regessem de forma análoga à das leis da física e da química para os fenómenos naturais” (Dias, 2005: 69) que aliada à sua formação científica provocaram o grande conteúdo teórico e até orgânico (na medida em que o Estado era tido como um organismo) da sua análise. “Objetivando essa influência, destacaríamos Herder, Hegel, Kant, Treitchke, para além da sua nacionalidade e da envolvente política à altura; estávamos na Alemanha rejuvenescida de Bismarck, onde se materializava a união dos Estados alemães (onde os alemães já se sentiriam ‘apertados’ dentro das suas fronteiras, necessitando de buscar espaço) e o peso do império alemão na cena internacional aumentava; por outro lado, o sub-factor posição era favorável (centro da Europa), à expansão de influências e à tomda de posição, no papel de árbitro, em difeentes partilhas territoriais” (Dias, 2005: 69).

 

Legado Conceptual

Ratzel “deseja responder às preocupações dos dirigentes do aparelho de estado prussiano, decepcionados com geórgrafos universitários. Propõe-lhes uma solução em que ciência e política não se excluem mutuamente e pretende lançar as bases de uma tecnologia espacial do poder do estado. A geografia política deve tornar-se um intrumento útil aos dirigentes que, em compensação, aprenderão a instrumentalizá-la” (Defarges, 2003: 74).

Por conseguinte, para dar forma à sua proposição  começa por buscar os mecanismos de interação entre a natureza e as comunidades humanas, o que procurou com grande rigor e método científico que era própria na Alemanha nessa épooca com a sua obra Antropogeografia.

Na obra Geografia Política procura “analisar o contributo que a Geografia fornece ao desenvolvimento político , nomeadamente através do espaço, da dimensão, da posição” (Correia, 2002: 129). Esta pode ser percebida no que é considerada como a sua obra principal – Geografia Política (1887), dado que é nela que o Estado ratzeliano se encontra definido e caracterizado. Assim, para Ratzel, o Estado é “como um organismo que reúne uma fracção da humanidade numa fracção de solo, donde as suas propriedades decorrem das do povo e das do solo“, materializando assim uma das linhas fundamentais do seu modo de pensar: a existência histórica e permanente de dois elementos: o Homem e o Solo. Porque as características do Estado provêm também das do Povo, não deixa de ser importante referir que este, entendido como “um conjunto político de grupos e de indivíduos“, tem o elo identificador e justificativo da sua existência, da sua união e da sua ligação, o território que habitam (o Estado como um organismo ‘preso’ ao solo), relegando para a categoria de acessório outros factores como a língua ou a raça, materializando desta forma o primado territorial no que respeita aos movimentos nacionais, para além de o ‘sustentar’ como pensador de tendências deterministas.

Acrescendo, o território também será o principal motivo para diferenciação dos organismos ‘Estado’, visto que, por um lado os espaços não são iguais, dada a existência de diferenças territoriais e por outro, a próprio distribuição do Povo pelo território (distribuição espacial) também apresentava diferenças. Estas duas grandes razões (sustentadas no território – espaço e posição – e na sua ocupação e, portanto, relacionadas com a Geografia), para Ratzel são simultaneamente causas de pontos fortes e pontos fracos do organismo ‘Estado’.

“O Estado é, assim, na sua concepção, uma entidade territorial com duas coordenadas essenciais: o raum (espaço) e o lage (posição). A primeira caracterizava-se pela área total do Estado, pela sua extensão e características físicas, como o clima, o relevo, a hidrografia, a vegetação; a segunda [posição] localiza o Estado nas suas coordenadas geográficas e de define-o na sua situação relativa em relação a acidentes geográficos importantes como a insularidade ou a continentalidade” (Almeida, 1990: 105)

Porém, Ratzel não se limitou a enunciar aqueles factos como únicos e determinantes do poder do Estado. Na sua concepção, espaço é poder, mas é necessário qualificar o espaço. E é aqui, exactamente neste ponto, que Ratzel foge ao determinismo geográfico extremo de que o têm acusado. Embora esta fuga se faça por via subjectiva.

Na sua Antropogeografia para construir a sua ciência, “Ratzel mobiliza o maior número possível de exemplos, utilizando experiência histórica, opera aproximações, estabelece tipos” (Defarges, 2003: 75). Aí conluiu que cada ‘raça’ tem qualidades e defeitos que lhe são inerentes, como se esses traços se herdassem por via genérica e não fosse possível ultrapassá-los. Ao verificar que “o Homem e o Solo não era por si só suficientes para justificar e determinar o poder das nações” (Dias, 2005: 70), Ratzel propõe um terceiro elemento que explica o poder, o qual designou de Raumsinn (sentido de espaço). Não se tratava de algo parecido com as suas concepções de “género de vida”, pois aí ele conseguiu demonstrar, por exemplo, que as sociedades primitivas das zonas das florestas tinham sido obrigadas pelo meio a uma adaptação diferente das que habitavam o deserto. Na realidade o seu conceito de raumsinn nunca foi demonstrado, é puramente subjetivo, o qual resultava não resulatava apenas da necessidade de dar consistência ao sistema teórico como tal,  “era também a síntese lógica da corrente do iluminismo germânico e o ponto de partida do pan-germanismo que ganhou força a partir das fraquezas da Santa Aliança” (Almeida, 1990. 115)”.

Não obstante, a subjetividade intrínseca deste novo conceito avançado por Ratzel, o Raumsinn diria “respeito a uma maior ou menor aptidão natural dos povos, para a origanização e dinamização do meio que habitavam, materializando desta maneira, o próprio sentido de organização do Estado e levando, desta forma, ao predomínio (também natural) de uns sobre os outros; assim o sentido de espaço constituía-se, também, como elemento fundamental do Poder, dado que era através dele, que o Homem actuava no território habitado e, portanto, no próprio Estado” (Dias, 2005: 71).

Outra linha de pensamento importante, conduz-nos à ideia de que, “apesar do Estado ratzeliano poder constituir-se como um organismo e portanto ser inerentemente orgânico, terá componentes espirituais e morais, decorrentes da versão etnográfica do povo (e por consequência, das suas instituições, dos factos civilizacionais que o marcam…), podendo também ser importante a geomorfologia, mantendo-se a vontade desta num escalão superior” (Dias, 2005: XX). Significa então, que o comportamento dos Estados sofria influências da geografia, mas não de uma forma completamente exterior, nem ao próprio Homem, nem à política por ele delineada .

Como diz Vicens Vives, citado por Valente de Almeida, “é indiscutível que no pensamento Ratzel pesava a sua condição de alemão (…) foi o Wagner da Geopolítica” (1990: 106). No aspecto prático Ratzel afirma que o povo alemão está especialmente dotado de Raumsinn, mais do que qualquer outro povo, e daí veio a concluir-se que a Alemanha tinha o direito a um espaço em conformidade com o seu tamanho e a sua capacidade, o Lebensraum (conceito a abordar mais adiante).

Postas as coisas desta forma, pode parecer que a obra de Ratzel é inconsistente por falta de rigor científico. Muitos autores o têm afirmado. Porém, é de crer que estes seus críticos se tenham baseado em referências muito divulgadas entre 1940 e 1960, sem terem consultado as fontes. Com efeito, as principais obras de Friedrich Ratzel têm cerca de 800 páginas cada volume, com muitas ilustrações e figuras a cores, desde tipos humanos e artefactos de centenas de lugares. Assim, nunca foi fácil de editar versões noutras línguas além do alemão. Por exemplo, a sua obra Volkerkund contém 494 figuras no texto enquanto a sua versão traduzida elimina 74 figuras, provavelmente devido aos gastos da impressão. No campo da geografia comparada, é notável também o seu labor e rigor de método, documentado na obra agora citada com 264 figuras e 9 cartas geográficas. A par destes trabalhos de grande fôlego, produziu outros menores mas também de importância incomum na época.

Apesar do seu rigor e minúcia, não é difícil admitir a hipótese de estarmos perante um homem deslumbrado e obcecado pela Geografia e pelo conceito de ‘raça’ que prevalecia no seu meio. São estas obcessões que o levam a exageros e ambiguidades como é o caso do Raumsinn.

A par da ideia Raumsinn surge a do Lebensraum (espaço vital), que serviu inclusivé de título a um trabalho seu. “A génese do «espaço vital» e as suas consequências confundem-se com a do «sentido espaço»” (Almeida, 1990: 116). Porém, o Lebensraum tinha mais em vista o poder do Estado. Com efeito, este resulta, segundo Defarges, da convicção de que “É da natureza dos Estados desenvolverem-se em competição com os Estados vizinhos, na maior p arte das vezes, disputando território” (2003: 75). Também expressa o conceito noutros termos, “território necessário à completa e perfeita realização de um ‘ser político’, forte e respeitado” (Dias, 2005: 72).

Pierre Gallois cita outra forma de Ratzel expressar este seu conceito: “O Estado é o solo: a extensão territorial forma a base material de toda a construção estatal. E o solo (…) incita as populações à extensão, a adquirirem novas terras, à conquista de fronteiras seguras ou mais facilmente defensáveis” (Correia, 2004: 130).

Os vários e diferentes organismos ‘Estado’ degadiavam-se em permanência na busca de mais espaço, na procura da sua realização e do seu desenvolvimento; neste âmbito só os mais fortes resistiam e, portanto, sobreviviam, numa lógica de aplicação dos postulados de Charles Darwin. “O conceito assim apresentado mostra-se “coerente com o raciocínio que se pode encontrar nas leis de crescimento territorial dos Estados [apresentadas mais abaixo], designadamente no que respeita à absorção de ‘unidades’ menores, na procura de regiões valiosas e noção de fronteira, como espelho dos resultados da busca desse espaço” (Dias, 2005: 73).

Todavia Gallois, à semelhança de Yves Lacoste, adopta uma concepção mais aberta em relação a Ratzel, considerando que “houve um aproveitamento negativo do geógrafo alemão. O seu conceito inicial de espaço vital seria o de um «(…) espaço indispensável à vida das espécies vegetais e animais (…)», fazendo depois uma analogia com a extensão do território sem o qual o povo não poderá expandir-se e dar plena dimensão às suas forças vitais” (Correia, 2004: 130).

Estas conjecturas sobre a precaridade e constante luta pelo poder do poder foram empoladas por razões ideológicas em que predominou o socialismo. Mas também tiveram a ver com teorias do crescimento económico, confrontando-se desde logo os modelos socialista e capitalista. A estas acrescem as razões geográficas, talvez as mais importantes: os confrontos entre os imperalismos alemão, britânico, russo e norte-americano; o scramble for Africa da Conferência de Berlim (1885); a derrota da Rússia na Manchúria; a insegurança dos Habsburgos e a insatisfação balcânica; o fenómeno novo de organizar as áreas coloniais; a política americana derivada da Doutrina Monroe; o desmembramento do império otomano, tudo conduzia, de facto, a inquirir das razões que levavam os Estados a lutarem por mais território e, razão disso, qual o limite do “território justo”. “Porque a ideia de Lebensraum pressupõe a existência de conflito motivado por uma iníqua partição de terras ao longo do processo histórico e nessa medida, a reclamação de um “espaço vital” seria não só um legítimo como adequado meio de reivindicação” (Almeida, 1990: 117).

A unificação da Alemanha sob a orientação da Prússia deixara um vago sentimento de insatisfação: o conjunto sentia-se maior do que a mera soma das parte. Daí, as aquisições territoriais feitas às custas da Dinamarca e da França mas, mesmo assim, insuficientes para dinâmica germânica. Sentindo-se no coração da Europa, reclamavam mais: a redifinição da fronteira balcânica em 1878, a tomada de posições em território do litoral da China, a atribuição de largas parcelas em África (1885), e assim sucessivamente, tudo à medida da autoridade do Bismarck e do conceio de Lebensraum.

Este conceito significava mais do que posições em terra: era espacial latus sensus conforme o próprio Ratzel demonstra numa obra que escreve sobre o mar em 1898. Aí insiste na importância do domínio do mar e na construção de uma armada forte para a Alemanha lembrando-se, provavelmente, que alguns aos antes o Kaiser Guilherme II propusera ao Cazar Nicolau II a partilha dos mares da Terra, oferecendo-lhe o título de Almirante do Pacífico e reservando para si o de Almirante do Atlântico.

Como diz o tradutor italiano daquela obra de Ratzel, citado por Políbio Almeida (1990: 117): “Estas páginas foram escritas por Ratzel especialmente para a sua pátria, a grande Alemanha, que se prepara (…) para as conquista dos mares.” Aliás, sabe-se que o próprio Ratzel era partidário “do próprio projecto da Mitteleuropa, ideia original de Friedrich Naumann (1860-1919), segundo o qual a Alemanha deveria liderar uma grande Europa do Meio, que fosse do mar do Norte e do mar Báltico até ao Adriático e mar Negro, tendo como grande diagonal a linha que vai da foz do rio Reno à foz do Danúbio” (Correia., 2004: 131).


O pensamento de Ratzel talvez possa ser sintetizado através da sua Teoria dos Espaços e das suas Leis do Crescimento Territorial do Estado.  Na primeira afirma:

  • O espaço é um factor primordial na grandeza dos Estados;
  • Um largo espaço assegura a vida nos Estados por ser uma força e não um mero veículo de forças políticas;
  • Um grande território incita à expansão e ao crescimento do seu povo e actua como força que imprime nova vida ao sentimento de nacionalidade;
  • Em todos os tempos só foi poder mundial o que se fez representar em vastos espaços e, especialmente pela sua força, em todos os pontos e momentos críticos.

Toda a filosofia geopolítica e poder criador da mente de Ratzel podem cosubstanciar-se nestes 4 postulados fecundamente provocativos que obrigam, no mínimo, a um grande esforço para tentar justificar a sua negação ou mesmo parcial rejeição. E quando se utilizam argumentos mais substanciais como a invocação de ‘Estados sem território’ ou, pelo menos, com órgãos que residem fora dele – ou o de ‘sentido de imobilidade’ de Ratzel -, há neles uma enorme desproporção entre o que é afirmado e o que se tenta negar. De resto há uma corrente moderna, nitidamente maioritária, que defendem terem sido os seguidores de Ratzel que detorparam a sua obra.

Na obra Au Sujet des Lois d’Expansion des États, publicada no ano de 1901, tendo como como ponto de partida a “(…) a análise sobre o futuro dos grandes impérios ao longo da história e na actualidade” (Correia, 2002: 130), Ratzel expressa e explicita a componente expansionista do seu pensamento, enunciando as famosas sete leis geográficas do crescimento territorial dos Estados. Nelas “podemos encontrar dois princípios subjacentes e que reflectem, mais uma vez, a importância do espaço, do território, na lógica conceptual ratzeliana: o espaço é força e poder e o espaço condiciona e manda” (Dias, 2005: 71).

 

As Leis Geográficas do Crescimento Territorial dos Estados

  1. O primeiro impulso para o desenvolvimento territorial de um Estado, vem do exterior, de uma civilização mais adiantada;
  2. O espaço de um Estado aumenta a expansão da cultura por por ir assim difundindo o seu poder;
  3. A expansão de um Estado segue-se a outros sintomas de desenvolvimento: ideias, produção comercial, actividade missionária, etc.;
  4. A expansão de um Estado inicia-se com a amalgamação e a absorção de unidades menores;
  5. A fronteira é o órgão periférico de um Estado e, como tal, o seu dinamismo evidencia o seu crescimento, a força e possíveis alterações;
  6. À medida que cresce, um Estado tende a incluir partes politicamente valiosas: linhas de costa, rios, planícies e regiões ricas em recursos naturais;
  7. A absorção de outras unidades reforça a tendência para a expansão e dá maiores possibilidades para a conquista de mais espaços.

 

Tomadas em outros sentidos que não seja o da expansão territorial, as leis obrigam a uma reflexão mais demorada já que contêm elementos que dizem respeito ao poder do Estado ou a sinais da evidência desse poder. Assim:

 

  • A primeira incorcora a tese de “desafio e resposta” não em relação ao meio mas a qualquer facto: o poder desenvolve-se se for estimulado dentro de certos limites.
  • A segunda afirma, no fundo, que cultura é poder, o que transcende o espaço físico;
  • A terceira aceita a ideia subjacente de que poder é capacidade;
  • A quarta não é original. Pretende aplicar as leis da física aos princípios políticos o que é desmentido por muitas excepções. Talvez fosse mais coerente afirmar que o pder se instala onde encontrar o vazio;
  • A quinta é perfeitamente actual se a entendermos não no sentido organicista que parecer ter, mas mais no sentido moderno de fronteira ideológica;
  • A sexta anota que o poder do Estado priveligia os critérios da utilidade, do ganho e da conveniência;
  • A sétima é bastante inadequada e contém algo que talvez pretenda justificar imperalismos, como se o Estado tendesse a crescer em progressão geométrica ou como se o poder nunca se autoimitasse.

 

Estas anotações às “leis” de Ratzel permite, talvez, ultrapassar a grande controvérsia que ainda hoje existe sobre o carácter determinista da sua obra. Assim, e em primeiro lugar, ele é determinista quando trata das sociedades arcaicas, já que atribui ao meio físico a responsabilidade única pela cultura, pela técnica e estilos de vida. Em segundo lugar, continua a ser determinista quando analisa o Estado na perspectiva de entidade geográfica que ele é, pois afirma que “espaço é poder”, o que está em conformidade com a sua Teoria dos Espaços. Em terceiro lugar é determinista com tendência organicista uando, nas “leis”, olha o Estado como uma entidade que age e reage à maneira dos seres vivos, o que mostra a influência de Charles Darwin na sua obra. Em quarto lugar, ao admitir a existência de outros factores, além da Geografia, que condicionam o poder do Estado como entidade política, afasta-se definitivamente do modelo do puro determinismo. Finalmente, ao introduzir na sua análise elementos de congeminação puramente subjetivista, como o Raumsinn ou o Lebensraum, que viriam a ter consequencias nefastas no futuro, Ratzel é ultradeterminista e provocativo, obrigando a geografia política a definir-se com mais rigor, face à geografia humana e à geopolítica, o que tudo ajudou a entender melhor o Estado e as geratrizes do seu poder.

Para terminar, e em forma de conclusão, todos estes aspetos que caracterizam o essencial do pensamento de Friedrich Ratzel, sempre orientado, conforme mencionamos ao longo do texto, para os interesses da grande Alemanha, foram dominados por aquilo que Defarges salienta como os três traços essenciais da Alemanha na visão de Ratzel:

  • Uma Alemanha recentemente unificada e em crescimento;
  • Uma Alemanha que se deixara atrasar em relação à partilha do mundo;
  • Uma Alemanha auto-considerada como uma nação da ciência (pp. 77-80).

 

Pierre Gallois considera, citado por Pezarat Correia (2004: 131), que não se pode compreender o pensamento de Ratzel sem o situar no contexto intelectual e político alemão da segunda metade do século XIX, a Alemanha bismarckiana, unificada, pujante, ambiciosa. Na realidade todo o rico naipe de intelectuais alemães dessa época, são produto uns dos outros. O que importa, em última análise, é o contributo que deram, no somatório da sua pluralidade, para o caldo de cultura que tornaria inevitável a escola geopolítica que a partir dele veio a germinar.

 

Bibliografia

ALMEIDA, Políbio F. A. Valente de Almeida. 1990. Do Poder do Pequeno Estado. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais e Políticas de Lisboa

CORREIA, Pedro Pezarat. 2002. Manual de Geopolítica e Geoestratégia. Vol. I – Conceitos, Teorias e Doutrinas. Coimbra: Quarteto Editoral.

DEFARGES, Philippe Moreau. 2003. Introdução à Geopolítica. Lisboa: Gradiva.

DIAS, Carlos Manuel Mendes. 2005. Geopolítica: teorização clássica e ensinamentos. Lisboa: Prefácio

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